A CULTURA DA INTERNET


Autor: Diogo de Souza e Silva. 


Como bem dito por Castells (2003, p.34) “a cultura da Internet é a cultura de seus criadores”. A web é moldada por aqueles que a usam, sob este entendimento pode-se retirar através do comportamento e entendimento humano, ou mudanças deste comportamento, noções da esfera cultural da Internet. É interessante pensar que a algumas décadas atrás as pessoas estavam satisfeitas e felizes em simplesmente empregar seu tempo livre, ou “excedente cognitivo”, no consumo desenfreado, vide o exemplo da TV explicado alguns tópicos atrás, mais interessante ainda é notar as mudanças ocorridas com a evolução das mídias, fazendo com que as pessoas passassem de simples espectadores para interlocutores ativos de um processo comunicativo, e isto é surpreendente. De acordo com Shirky (2011, p.18) grande parte da sociedade ainda se encontra surpresa e confusa tentando entender o fato de que as pessoas que antes se contentavam apenas em consumir as mídias tradicionais, hoje com a evolução da Internet, começam a fazer e compartilhar conteúdo.  Ainda segundo o autor:

Esse fazer e compartilhar é sem dúvida uma surpresa, comparado ao comportamento anterior. Mas o puro consumo da mídia nunca foi uma tradição sagrada; era apenas um conjunto de acasos acumulados, acasos que estão sendo desfeitos a medida que as pessoas começam a empregar novos mecanismos de comunicação para realizar tarefas que a antiga mídia simplesmente não pode fazer.         

Mais uma vez a vontade de compartilhar e estar conectado com as outras pessoas se demonstra uma característica inerente ao ser humano, Shirky (2011) se apega ao fato de que se antes as pessoas apenas consumiam as mídias era por falta de opção, tais mídias tradicionais não permitiam o “fazer” e não possibilitavam a interação, assim com a criação e emprego de novos mecanismos para se comunicar as pessoas não mudaram de comportamento, elas simplesmente fazem o que é de sua natureza fazer, criar e compartilhar.
Para se entender mais a fundo a cultura do compartilhamento e participação, será usada a figura dos blogs ou weblogs, onde de acordo com Recuero e Primo (2003) os blogs são “sistemas de publicações na web, baseados nos princípios de micro conteúdo e atualização frequente, onde os textos são publicados em blocos e organizados cronologicamente”, os autores complementam suas afirmações destacando que qualquer usuário da rede pode criar um blog, sendo uma ferramenta simples de publicação onde as pessoas não necessariamente precisam entender de programação, ou ser um entendido em tecnologia para usar esta ferramenta. Por esta razão vê-se a democratização do compartilhamento de conteúdo, qualquer pessoa pode criar um blog e compartilha-lo com os demais, sendo uma “forma de expressão individual” direcionada para a coletividade.
Recuero e Primo (2003, p.56) apontam que os sistemas de blogs contam com duas ferramentas nos dias atuais, a primeira é a ferramenta de comentários, onde os demais usuários ao lerem o conteúdo que está em um blog podem interagir com o mesmo, deixando um comentário com suas observações sobre o que foi publicado. A segunda ferramenta, de acordo com Recuero e Primo (2003, p.56), se caracteriza pelo “[...] trackback, que permite que outros posts, em outros blogs, que fizeram referência a um texto sejam linkados junto dele, de modo a mostrar ao internauta as discussões que estão sendo realizadas em torno do mesmo assunto em outros blogs[...]”. Desta forma a partir do trackback os assuntos discutidos em um blog não se limitam exclusivamente a ele, pois, o fato de se ter a liberdade de usar como referência tudo o que se está discutindo na Internet sobre determinado assunto, no momento da publicação de um texto em um blog, cria o que se pode chamar de “construção mútua da informação”, este fenômeno unifica a web, pois desta forma ela não se caracteriza por usuários que criam conglomerados independentes de conteúdo, e sim por comunicadores que juntos escrevem sobre determinado assunto com o auxílio daquilo que já se foi discutido, ou que ainda está sendo discutido, por uma outra pessoa. A interconectividade proporcionada pelo trackback está presente neste processo.  
A partir das duas ferramentas apresentadas por Recuero e Primo (2003) pode-se considerar três aspectos interessantes sobre a cultura da Internet, são eles: a interconectividade, a interação e a viralização de um conteúdo. A interconectividade está presente através do trackback, levando em consideração o princípio desta ferramenta pode-se dizer que tudo está ligado de alguma forma, sendo assim uma página de discussão na web sempre irá carregar seu leitor para outra, e a outra para mais uma, e assim sucessivamente, sendo assim uma pessoa que lê um artigo sobre Stephen Hawking na Internet pode facilmente acabar em uma página falando de paralisia cerebral, percebe-se assim a interconectividade do conteúdo disponível na web, onde nada se limita a apenas um assunto em especifico.
A interação nos blogs vem a partir dos comentários, mas não se limita a eles, a interação pode ocorrer de infinitas formas, porém isto será discutido mais à frente em um tópico destinado a este assunto. Por último a viralização, que é proveniente da soma das forças das duas ferramentas apresentadas aqui anteriormente, comentários mais trackback, ambas fortalecem e aumentam a “vida útil” das discussões sobre determinado assunto, seja em um site de notícias, mídias sociais ou blogs.
Cardoso (2008, p.169) diz que não há como produzir algo viral, segundo ele: “O que torna algo viral é o fato de o receptor da mensagem espontaneamente se tornar transmissor da mesmas”, sendo assim a viralização é uma reação espontânea porém fundamenta, ou possibilitada, através das ferramentas descritas anteriormente, pois se o conteúdo online é feito de usuários para usuários  qualquer um que leia a mensagem pode ser difusor da mesma, onde tanto comentários quanto os trackbacks vão auxiliar neste processo, tudo depende de como os usuários irão receber aquilo que será compartilhado, nota-se aqui a liberdade que os usuários detém sobre a difusão do conteúdo, pois só é compartilhado em massa aquilo que de fato interessa aos usuários. Cardoso (2008, p.169) complementa dizendo que: “O máximo que podemos fazer é produzir algo que pensamos ter potencial viral e, depois, incentivar sua viralização.”, neste sentido começa a se falar de marketing viral, para o incentivo da viralização de um conteúdo, porém assim como a interação este assunto é foco em outro tópico mais específico. Por hora entende-se que a interatividade, interconectividade e viralização são aspectos importantes a se considerar quando o assunto é cultura da Internet.
Explorando mais um pouco o universo online, pode-se deparar com coisas um tanto absurdas e incompreensíveis, mas que ainda fazem parte da cultura da participação na Internet, como por exemplo os memes online, que de acordo com Tognolli (2001, p.171):

Memes são ideias conceituais, paradigmas básicos, palavras chave, que determinam a evolução biológica. Os memes se reproduzem e se espalham de pessoa para pessoa. Um meme é expresso numa palavra, ou num símbolo, ou num ícone. A bandeira de um país é um meme. A ‘suástica’ é um supermeme. ‘Coca-Cola’ é um meme. Os memes são como marcas.       
 
O autor foi um pouco irônico em sua definição, porém suas considerações são importantes, memes são marcas, ícones que representam algo para um grupo de pessoas, ou simplesmente para um indivíduo. Os memes da Internet são símbolos que só fazem sentido neste meio, pode-se dizer que são conteúdos virais criados através desta mídia, eles são simples, são fáceis de reproduzir, são rápidos e são até mesmo infantis, porém as pessoas os compartilham a cada minuto, simplesmente pelo fato de que elas querem fazer parte desta “brincadeira de compartilhar e participar”.
Shirky (2011, p.21) apresenta um exemplo interessante sobre memes na Internet, o autor se fundamenta na ideia dos lolcats para difundir a ideia de participação e vontade de compartilhar proporcionada pela internet. Lolcats de acordo com o autor podem ser definidos como “uma imagem bonitinha de um gato que é tornada ainda mais bonitinha pelo acréscimo de uma legenda engraçada [...] isto faz os espectador rir alto, em inglês laugh out loud, cujas iniciais são lol somadas ao cat (gato)”, como pode ser facilmente observado a ideia é simples e boba, uma ideia despretensiosa, cuja única ambição é tirar um sorriso do espectador, são conteúdos produzidos em alguns minutos para gerar alguns segundos de reação, porém o autor destaca a grandeza deste conteúdo quando afirma que existem mais de três mil imagens “lolcats” produzidas por usuários, e cada uma destas imagens acumula dezenas, ou até mesmo centenas, de comentários, uma ideia nada sofistica, porém que gera uma interação social surpreendente.
Shirky (2011, p. 21- 22) explora melhor este assunto:      

Criada depressa e com mínimo de técnica a imagem lolcat média tem o valor social de uma ‘almofada de pum’ e a duração de vida cultura de um efemeróptero. Mesmo assim, qualquer pessoa que veja um lolcat recebe uma segunda mensagem correlacionada: Você também pode brincar disto. Exatamente porque os lolcats são criados de forma tão transparente, qualquer um pode acrescentar uma legenda idiota a uma imagem de um gato bonitinho e então partilhar essa criação com o mundo.    
  
A imagem “lolcat” em si não teria relevância alguma se fosse limitada à apenas a imagem expressa na tela do computador, a imagem é apenas um símbolo que carrega consigo uma ideia poderosa que é “Você pode brincar também”,  isto dá força a este movimento, pois, ninguém criaria um “lolcat” só para si, este princípio de que as pessoas podem, através de uma simples imagem, passar uma ideia ou simplesmente uma mensagem de humor para a coletividade, e receber um respaldo disto, lhes passa a sensação de que de alguma forma elas estão participando do universo online como criadores, faz com que através de um pequeno gesto ou esforço elas ultrapassem as barreiras das mídias convencionais, e se tornem ao mesmo tempo consumidores e criadores. Como pode ser notado este universo é guiado pela participação.    
Um outro exemplo com proporções maiores e menos casual que os lolcats, ou memes, porém que possui a mesma finalidade, compartilhar informação, e gera as mesmas motivações nas pessoas, a vontade de participar, é a Wikipédia. Para uma definição completa do que é a Wikipédia, tem-se que se apegar necessariamente ao seu prefixo Wiki, onde de acordo com Howe (2008, p.51) “Um wiki – palavra de origem havaiana que significa rápido – permite que um número ilimitado de usuários crie e edite textos em uma única página da Web.”, pode-se dizer então que a Wikipedia é uma enciclopédia online e livre, constituída por um grupo de pessoas (comunidade) que visam através da colaboração mutua criar um conteúdo de alta qualidade para preencher esta Enciclopédia, tem-se aqui então o mesmo princípio básico discutido nos lolcats a vontade de participar, porém existe uma motivação maior que é o interesse mutuo em criar algo com qualidade e que seja duradouro, diferente dos lolcats e memes.
Esta mobilização social gerada através da construção de uma Wiki, e neste momento esta palavra se refere a todo o conceito de se criar e compartilha textos de forma colaborativa, pode ser entendida como o que é chamado de Inteligência Coletiva, Bezerra (2014, p.22), apoiado nas ideias de Pierre Lévy, aponta:

A Inteligência Coletiva, distribuída por toda parte e coordenada em tempo real, que resulta da mobilização das competências dos usuários da Internet e que ganha com as somas dos conhecimentos. A inteligência coletiva pode ser percebida em projetos de criação abertos à participação dos usuários, como a Wikipédia e as comunidades de programadores de softwares.                   

É importante dizer que a inteligência coletiva é resultante dos novos padrões de consumo de mídia, informação e produção cultural do século XXI, tais padrões já foram discutidos aqui através das ideias de Shirky (2011), onde a sociedade deixou de apenas consumir e passou a produzir, compartilha e interagir com o conteúdo, como pode ser visto a inteligência coletiva é um desdobramento da cultura da participação gerada pelo universo online, e fenômenos como a Wikipédia, lolcats e diversas mídias sociais, são consequências provenientes deste fatores.  
Por tudo o que foi visto pode-se dizer que a mídia moderna, pautada pelo conceito de um universo online e interativo, se baseia basicamente em três enfoques diferentes que são consumir, produzir e compartilhar, as pessoas adoram estas três coisas, porém só tiveram a oportunidade de expressar isto de forma mais ampla no início deste século. Graças as evoluções tecnológicas as pessoas ganharam novos meios para se comunicar, produzir e consumir mídias, tais evoluções canalizaram o excedente cognitivo da sociedade para construir a cultura da colaboração online, porém além de focar o tempo livre das pessoas para  a produção e compartilhamento de conteúdo, a tecnologia ofereceu também maiores oportunidades para que as pessoas pudessem fazer isto, e segundo Shirky (2011, p.26) “ Se você oferecer as pessoas a oportunidade de produzir e compartilhar, elas às vezes lhe darão um belo retorno”, este é um fator que contribuiu e agrega valor cada vez mais para a Cultura da Internet.    
Partindo do entendimento de que as tecnologias existentes proporcionam as pessoas a capacidade de estarem conectadas de forma ininterrupta, e que além disso oferecem novos meios das pessoas registrarem o que está acontecendo a sua volta, através de fotos, vídeos e áudios, pode-se dizer que existe uma multidão, um verdadeiro “cardume de indivíduos” conectadas à internet simultaneamente durante todas as horas do dia com a capacidades ilimitadas de registrar tudo a sua volta, somando-se estes dois fatores tem-se um potencial interminável para  a produção de conteúdo. É incrível perceber como fatos e acontecimentos, que em tempos mais antigos seriam completamente isolados e ignorados pela sociedade se as mídias tradicionais não os descem atenção, hoje em dia se tornam públicos graças aos produtores de “conteúdos anônimos”, pessoas com celulares se tornam disseminadores de notícias que podem abalar toda a coletividade, vide exemplo dos protestos pelos 20 centavos ocorridos no Brasil em 2014, em tempos onde não havia Internet as pessoas sequer poderiam saber o que estava ocorrendo no pais, porém devido aos compartilhamento e a distribuição democrática da informação o Brasil se levantou para lutar por um governo mais justo, este tipo de movimento só foi possível graças a pessoas com suas câmeras que registraram as agressões ocorridas nos terminais de ônibus da cidade de São Paulo, este é um grande exemplo da força da Internet mas acima de tudo é uma demonstração de como a cultura do mundo evoluiu graças as quebras de paradigmas trazidas pela sociedade em rede.
       Shirky (2011, p.28) faz interessantes observações a respeito destes assuntos:

Quando você agrega uma grande quantidade de alguma coisa, ela se comporta de novas maneiras, e nossos novos mecanismos de comunicação estão agregando nossa capacidade individual de criar e compartilhar em níveis inéditos. Considere a pergunta cuja resposta mudou drasticamente nos últimos anos: quais são as chances de que alguém com uma câmera se depare com um acontecimento de importância global?  A possibilidade de que alguém com uma câmera se depare com um evento de importância global é simplesmente o número de testemunhas do evento multiplicado pelo percentual delas que tem uma câmera, levando em consideração que a quantidade de pessoas carregando câmeras cresceu de forma estrondosa em apenas alguns anos, pode-se dizer que a chance de que alguém com uma câmera se depare com um acontecimento de importância global está se tornando rapidamente igual à de que tal evento tenha qualquer testemunha.         

Como podem ser facilmente entendido, quanto mais pessoas conectadas compartilhando conteúdo, maior será o potencial de criação e disseminação de informações, isto modifica o comportamento das pessoas, que percebem que tudo a sua volta pode ser compartilhado e é de interesse coletivo, pois em seu entendimento sempre haverá alguém esperando por suas postagens na web, esta compreensão é verdadeira e forma a base para a  Cultura da Internet, e como bem dito por Castells (2003, p.34) “a cultura da Internet é a cultura de seus criadores”.   
As ideias e teorias aqui expostas se preocuparam em evidenciar os aspectos inerentes a Internet e a revolução que a rede gerou na vida das pessoas, o ser humano passa a ser visto dentro de um novo contexto onde suas relações se firmam de forma mais dinâmica, assim a Internet deixa de ser novidade e os efeitos e características da rede criam um público mais seletivo e mais feroz para o compartilhamento e desenvolvimento de conteúdo, neste contexto as empresas devem abandonar suas abordagens comerciais convencionais e passar a criar novos valores.
Tendo em vista que dentre todas as suas funcionalidades a Internet é, acima de tudo, um ambiente para comunicação, as empresas devem estar ciente disto, ciente de que a melhor forma de se destacar na web é através de sua maneira de se comunicar com o público, criando valor e elevando sua reputação através da interatividade entre cliente e empresa.  

REFERÊNCIAS:

CASTELLS, M. A galáxia da internet, os negócios e a sociedade. Rio de Janeiro: Zahar, 2003.

SHIRKY. C. A cultura da participação: Criatividade e generosidade no mundo conectado. Rio de Janeiro: Zahar, 2011.

PRIMO, Alex Fernando Teixeira; RECUERO, Raquel da Cunha. Hipertexto Cooperativo: Uma Análise da Escrita Coletiva a partir dos Blogs e da Wikipédia. Revista da FAMECOS, n. 23, p. 54-63, Dez. 2003 2003.

TOGNOLLI. J.C. A sociedade dos chavões. 2ed, Rio de Janeiro: Escrituras, 2001.

HOWE. J.  O poder das multidões: Por que a força da coletividade está remodelando o futuro dos negócios. 1ed, Rio de Janeiro: Compus, 2008.

BEZERRA. C. A. Cultura Ilegal: As fronteiras legais da pirataria. 1ed, Rio de Janeiro: Mauad X, 2014.

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